PEQUENAS CRÔNICAS DE UM MOTORISTA MEIA ESTRELA — PARTE 7

VOCÊ QUE TEM MEDO DE CHUVA

Pra quem não conhece Ponta Grossa, cidade de onde esse Motorista de Meia Estrela escreve e trabalha, aqui janeiro é chuvoso. Chuvoso até demais. Às vezes está um solzão e do nada chuva, às vezes você acorda e só pára de chover dali uns 8 dias.

Hoje foi um desses dias das famosas chuva “molha bobo”, aquela fininha que cai de lado, aí ela muda e vem de frente, e do nada ela vem de costas e você não consegue se proteger. Isso até um momento da tarde, aí caiu o famoso “toró”.

Quando começou o “toró”, recebi o chamado. Busquei na Avenida Central o “Intimidade Demais com Quem Não Conheço”, que, aparentemente, não gostava de chuva já que entrou reclamando disso no carro. Confirmado o destino, partimos para a melhor viagem do dia, pelo menos para mim.

Logo ao entrar, após as reclamações de chuva, “Intimidade Demais com Quem Não Conheço” comenta que estava em um médico que limpou sua orelha com uma seringa que espirrava água quente e, assim, tirando bolas e bolas de sujeira. “Intimidade Demais com Quem Não Conheço” também comentou que sua esposa quem tinha dado a ideia após ele tentar limpar sozinho e não ter conseguido. E a esposa de “Intimidade Demais com Quem Não Conheço” também tinha feito o procedimento, mas ela ainda ia ficar no centro para depilar as partes, porque hoje eles iam comemorar aniversário de casamento.

Quando a chuva apertou a gente ainda estava longe do destino, cerca de 8 minutos, mas com a possibilidade de reduzir o tempo se eu cortasse o trajeto por uma rodovia (Ponta Grossa é cercada por rodovias). Quando sinalizei que ia entrar pra rodovia, conseguia enxergar pouco mais de 6 metros de distância do carro, já que neblina e chuva tomavam conta do visual da cidade.

Chuva apertada, caminhões por todos os lados e água empoçada na rodovia fizeram “Intimidade Demais com Quem Não Conheço” começar a ficar nervoso e, por um instante, percebi ele fazendo o sinal da cruz. Após isso tentei ao máximo dividir minha atenção com a música que tocava, a rodovia e ao “Intimidade Demais com Quem Não Conheço”.

Para um sujeito adulto que estava feliz até agora, “Intimidade Demais com Quem Não Conheço” mudou o rosto em poucos instantes e enquanto rezava e cantava louvores, sempre achava um pausa para dizer “por favor, não bate o carro não moço!”. Eu, como um ótimo Motorista Meia Estrela, agradecia por estar de máscara e poder sorrir escondido da situação.

Sem sustos, só com água espirrando a cada caminhão que passava pelo outro lado da rodovia, chegamos ao destino de “Intimidade Demais com Quem Não Conheço” que, embora eu não tenha entendido, ao descer do carro deu 3 pulinhos, agradeceu a corrida e foi embora. Espero, de verdade, que ele tenha tido uma lembrança tão boa dessa corrida quanto eu tenho.

Essa é uma série de crônicas baseadas em fatos reais sobre minhas corridas de motorista de aplicativo. As identidades de todos os envolvidos serão sempre preservadas.